Crónica de Alexandre Honrado
Herberto (porque sim)
Herberto Helder, leitura de sempre, leitura de verão.
A matriz insular de Herberto Helder define-lhe o tempo. Porção de homem rodeado de mitemas por todos os lados, construindo sempre, mais ou menos por opção o (seu) mito resistente. Como uma ilha e a água que a rodeia ou um poema (ilhado) no sentir.
Tudo o que somos, reflete-se não só na nossa relação com o tempo mas também com o espaço, e com os outros.
Quando as palavras chegam ao pensamento do poeta e, tal como barro em mãos de oleiro, adquirem o tempo que legarão, materializam-se e passam a ser pertença de espaço. E transcendem-se ao serem dos outros.
Poética insular, essa, portanto, é capaz de percorrer a língua montanhosa, com profundos vales incrustados entre os picos mais altos e falésias na maior extensão da costa (nas metáforas do sentir).
Uma poética-ilha onde não há solidão mas profunda concentração. Onde não há habitantes dos hábitos mas uma forma contrária aos limites que não suportam isolamento ou solidão.
O espaço, o lugar onde a faca não corta o fogo, e a poesia tornam-se grandes porque os outros os pensaram para lá da origem de quem os pensou. O poema transcende assim o lugar, pois é mítico e rítmico, é o poeta no que tem como função de permitir ouvir o inaudível. Sabemos que Herberto Helder era, ele também, uma ilha difícil de alcançar. Evitava as partilhas mediáticas, abrindo honrosas exceções que permitem hoje ouvi-lo em gravações que fez da sua poesia. Porém, isolava-se – ilhava-se? – para escutar a sua voz, como as margens da ilha no diálogo com a ressaca das águas que a desafiam.
As águas em torno da ilha ou a ilha a impedir a expansão das águas?
Qual será mais forte: o desafio da partida para paisagens desconhecidas ou a resistência de permanecer num reduto sólido, com a ilusão de eternizar-se?
É claro que uma ilha é fragmentação imposta por um destino (como se a ordem cósmica a empurrasse para longe dos lugares comuns das grandes dimensões). E é claro que o isolamento do poeta gera a perseguição de um lugar de conforto, eventualmente para lá do mundo, desse mundo onde a poesia é um lugar a mais – “um manar secreto e pacífico. Uma coisa milagrosa que acontecia ocultamente”.
Talvez o isolamento transpusesse a ilha natal para uma ilha nativa continental, ou antecipasse (novamente o destino?) uma evidência.
Não tenho muito a dizer, como se nota, neste agosto carente de poesia.
Alexandre Honrado
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